domingo, 12 de fevereiro de 2017

Padmasambhava e a era da estupidez

A predição de Padmasambhava sobre a era em que “as pessoas serão as criadoras da própria estupidez”
por Nando Pereira (Dharmalog.com)

The Eight Manifestations of Padma Sambhava by Laura Santi

Quando a época degenerada deste aeon chegar, as pessoas serão suas próprias enganadoras, suas próprias más conselheiras, as criadoras da própria estupidez, mentindo e enganando a si mesmas. Quão triste que essas pessoas tenham formas humanas mas não possuem nenhum senso maior que um boi!
– Padmasambhava, do livro “Advice from the Lotus-Born”

Parece que a época degenerada desta era chegou, e se o grande mestre budista do Século 8, Padmasambhava, estiver certo, a melhor pergunta que podemos nos fazer agora é: como estamos nos enganando? Quanto estamos nos enganando? Com o que exatamente nos enganamos?

Podemos achar que não, podemos pensar que “eu não me engano, sei bem o que estou fazendo”. Mas seria apenas mais uma forma de auto-engano, pois se não fosse, estaríamos plenamente despertos. O próprio Padmasambhava diz, no mesmo compêndio “Advice from the Lotus-Born”: “Não coloque sua confiança nos fenômenos condicionados; alcance a certeza dentro da sua própria mente, o estado desperto não está em nenhum outro lugar“.

A travessia pelo  Grande Cânion da Desilusão é por dentro de nós mesmos. Esse cânion não é a percepção de uma ilusão fora de nós, como se estivéssemos apenas cometido um equívoco de não ver direito, ou de acidentalmente confundir as coisas: é a percepção de que nós mesmos viemos nos enganando, nos iludindo e nutrindo ativamente essas mentiras, provocando os problemas de entendimento e confusão, dentro de nós, com nossos talentos e capacidades desvirtuadas, e a respeito de nós mesmos e do mundo que (achamos que) vemos. É grave. E triste, como lamentou Padmashabhava.

Ele aconselha, demonstrando que tipo de engano e ilusão estamos nutrindo: “Quando você sentir apego por algo atraente ou aversão por algo repulsivo, compreenda que é ilusão da sua mente”. Em outro trecho: “Quando você ver pessoas cometendo o mal, tenha compaixão por elas”. E ainda em outro: “Quando você ouvir palavras agradáveis ou desagradáveis, saiba que são sons vazios, como ecos”. E talvez um dos mais importantes para este momento: “Não tome nenhum ser senciente como seu inimigo: fazer isso é apenas engano da sua mente“.

Se algum desses conselhos de Padmasambhava soa desafiador, essa investigação sobre nossos auto-enganos pode começar por eles. Mas podemos também começar observando nossas dores, crises e confusões, e ver se elas são manifestações apenas de um cenário externo caótico ocasional, ou se mostram que algo está errado do lado de dentro de nós, algo em nossa mente. Um célebre mestre do Vedanta indiana, Swami Dayananda, publicou um livro cujo título era “O Problema É Você, A Solução é Você“, de uma clareza maravilhosa. Certa vez ele escreveu, num artigo sobre meditação: “para criar uma condição mental que lhe permita ver a verdade de si mesmo, você deve remover todas as falsas noções que tem“. Falsas noções são exatamente as ilusões e enganos, sobre o mundo e nós mesmos.

O terapeuta brasileiro Sérgio Veleda  publicou recentemente um comentário a respeito da prevalência dos nossos auto-enganos mais cotidianos (mas que também envolvem as ilusões maiores). Ele diz: “A maior parte do tempo estamos mentindo, fingindo. Não fazemos isso apenas para os outros mas para nós mesmos. Argumentamos para nós mesmos como um lobo faria com uma criança, assim como um perverso ou um psicopata agiria com um inocente. Quando os hindus dizem que esse mundo é maya (ilusão), estão se referindo ao mundo que habitamos particularmente. A maneira de mentir e de fingir nos é tão comum que ela hoje se confunde com isso que dizemos ser “eu”. Então podemos mentir e fingir com a sensação clara que não mentimos e não fingimos para continuar até a morte mentindo e fingindo.”

Com a sensação clara que não mentimos. E como ter uma sensação mais clara do que a sensação clara? Só a investigação mais profunda sobre si mesmo pode revelar isso. E, de preferência, com a ajuda de pelo menos uma outra pessoa, ou um grupo de pessoas. O místico armênio Gurdjieff dizia que ninguém se salva sozinho, pois é muito difícil de ver o engano em si mesmo. Com mais profundidade, com ajuda, sinceridade e observação limpa, talvez cheguemos à dimensão de ver a ilusão, e aí poderemos soltá-las de dentro de nós mesmos.


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